Esquema foi divulgado nesta terça-feira (21) pela Polícia Federal. Dezoito pessoas, entre elas 10 policiais militares, foram presas na Bahia, Pernambuco e em Alagoas
As armas vendidas em um esquema milionário, que envolvia a participação de policiais militares da Bahia e Pernambuco, comerciantes e CACs, tinha participação de laranjas, segundo a Polícia Federal.
A PF da Bahia deflagrou a “Operação Fogo Amigo” nesta terça-feira (21), e prendeu 18 pessoas, entre elas, 10 policiais militares. Entenda abaixo como funcionava o esquema milionário:
Os policiais suspeitos apreendiam os armamentos durante abordagens e não os apresentavam nas delegacias.
Após um dos investigados participar de uma delação premiada, ele foi preso suspeito de participar do esquema.
“Armas, que teoricamente eram para serem apreendidas e levadas para alguma delegacia, não eram apresentadas. Essas armas eram vendidas para facções criminosas”, explicou o delegado regional da Polícia Judiciária da PF-BA, Rodrigo Motta.
Já as armas novas vinham de laranjas. O esquema funcionava da seguinte forma:
- Os investigados pegavam uma pessoa sem instrução, geralmente da zona rural, sem antecedentes criminais, para tirar o Certificado de Registro do Exército (CR) ou posse rural na Polícia Federal;
- Pagavam todo o trâmite para o laranja tirar o CR;
- Após comprar a arma, a pessoa, agora membro da facção, registrava um BO de furto e dava a arma como extraviada, para que o laranja não pudesse ser conectado ao comprador final;
- Caso não fosse feito esse procedimento, o número de série era raspado ou refeito.
Sargento movimentou R$ 2,1 milhões
Um dos investigados pela Polícia Federal foi um sargento da PM de Petrolina (PE), que movimentou, segundo o Coaf, aproximadamente R$ 2,1 milhões em um período de pouco mais de seis meses entre os anos de 2021 e 2023.
O valor foi considerado pelas investigações como totalmente incompatível com os seus rendimentos de sargento da Polícia Militar.
Ainda de acordo com um dos investigados, que firmou acordo de delação premiada, o grupo comandado por este sargento da PM chegava a vender cerca de 20 armas de fogo por mês.
O sargento é apontado como o principal fornecedor de armas e munições do esquema. Para um dos compradores, ele enviou 36 caixas com mil munições, o que daria uma média de 2.250 munições por mês.
Operação ‘Fogo Amigo’
Durante a operação, também foi determinado o sequestro de bens e bloqueio de valores de até R$ 10 milhões dos investigados, além da suspensão da atividade econômica de três lojas de venda de material bélico.
Até a última atualização desta reportagem foram cumpridos:
- Juazeiro (BA) – quatro mandados de prisão e seis de busca e apreensão;
- Santo Antônio de Jesus (BA) – um mandado de prisão e outro de busca e apreensão;
- Porto Seguro (BA) – um mandado de prisão e outro de busca e apreensão;
- Lauro de Freitas (BA) – dois mandados de prisão e dois de busca e apreensão;
- Salvador (BA) – seis mandados de prisão e 11 de busca e apreensão;
- Petrolina (PE) – três mandados de prisão e nove de busca e apreensão;
- Sanharó (PE) – um mandado de busca e apreensão;
- Arapiraca (AL) – um mandado de prisão e dois de busca e apreensão.
Um dos seis presos em Salvador foi o capitão da Polícia Militar da Bahia (PM-BA) Mauro das Neves Grunfeld. O investigado foi subcomandante da 41ª Companhia Independente de Polícia Militar (CIPM), unidade responsável pela região do Garcia e Federação.
As investigações apontaram que ele vendia 10 mil munições ilegais por mês. A reportagem tentou contato com a defesa de Mauro das Neves Grunfeld, mas não conseguiu até a última atualização desta reportagem.
Na operação desta terça, foram apreendidas ao menos 20 armas de fogo (a maioria pistolas 9 mm) e milhares de munições, de todos os tipos, incluindo de fuzil.
Em uma casa em Salvador, a força tarefa encontrou mais de 400 munições de fuzil. O dono do arsenal ilegal foi preso agora em Petrolina.
Segundo fontes da força tarefa, também foram apreendidos dezenas de celulares e computadores. O material vai passar por perícia, para permitir identificar mais suspeitos de integrar o esquema criminoso de desvio de armas para facções criminosas.
Participam da operação mais de 300 Policiais Federais, grupos táticos da Polícia Militar da Bahia, Polícia Militar de Pernambuco, além de promotores do Gaeco da Bahia, Gaeco de Pernambuco e integrantes do Exército.
A decisão judicial que autorizou a operação diz que a quebra de sigilo telefônico e telemático dos investigados apontou de forma clara uma organização criminosa especializada no comércio ilegal de armas de fogo, munições e itens balísticos, constando que armas de fogo de uso restrito, como fuzis e espingardas calibre 12 semiautomáticas, também são negociadas pelo grupo criminoso.
Ainda segundo as investigações, esses armamentos são utilizados frequentemente em assalto a carros fortes e instituições financeiras, além de serem empregados em ações denominadas domínio de cidades, modalidade conhecida como “novo cangaço”.
Práticas criminosas
A decisão judicial aponta uma operação de compra e venda de munições que utiliza diversos agentes, incluindo policiais, donos de lojas de armas, vendedores e responsáveis pelo envio do material ilegal.
Segundo a investigação, uma das práticas comuns envolve a falsificação de Certificado de Registro de Arma de Fogo (Crafs) para obtenção de armamento em lojas regulares. Veja, abaixo, algumas das funções dos investigados na organização criminosa:
- um dos investigados, segundo a PF, agia ao lado da companheira e era responsável pelo envio de armas de fogo para as cidades de Eunápolis (BA), Porto Seguro (BA) e Juazeiro (BA). Ele fez 25 transações via pix, que somaram R$ 77.150,00 e sua companheira transferiu R$ 108.910,00 em apenas 65 dias para o comerciante de armas;
- relatório do Coaf aponta que um policial militar investigado movimentou R$ 2,7 milhões. Quebra de sigilo de dados telemáticos apontam que ele comprou armas e munições em Salvador;
- outro alvo aparece como fornecedor de munições de fuzil 556 e fuzil 762;
- um proprietário de loja bélica Comercial Taurus de Arapiraca (AL) recebeu cerca de R$ 700 mil em um ano de um dos investigados pelo tráfico de armas. Segundo a investigação, a compra de munição ilegal do empresário ocorre há, pelo menos, três anos;
- já os proprietários da loja Universo Militar de Juazeiro (BA) foram apontados também como comerciantes ilegais de armas e munições. Segundo o colaborador relatou, um vendedor da loja – também alvo da operação – incluía os dados de diversos Crafs informados pelo contrabandista e dava baixa no sistema como se a compra fosse feita pelo possuidor do registro, quando na verdade era adquirido pela organização criminosa. Os proprietários, segundo a PF, orientavam sobre como driblar a fiscalização do Exército.
A decisão judicial explica ainda que o colaborador da PF informou que “desejava adquirir armamento ilegal para distribuição em facção criminosa, se dirigia aos estabelecimentos e adquiria, livremente, o artefato que era inserido pelo funcionário na loja em nome de comprador fictício, alguns deles, conforme comprovado, sequer possuíam armas registradas em seu nome”.
Suspensão de lojas
Foi definida a suspensão das atividades econômicas das lojas Sport Tiro e Comecial Taurus. Segundo a decisão, os estabelecimentos “por meio de prepostos e sócios, facilitaram sobremaneira a circulação de armas e munições ilegais com inserção de dados fictícios referentes aos respectivos compradores”.
Os investigados responderão pelos crimes de organização criminosa, comercialização ilegal de armas e munições, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica, com penas somadas que podem chegar a 35 anos de reclusão.
A operação foi denominada “Fogo Amigo”. De acordo com a PF, o nome faz alusão ao fato de que os policiais integrantes da organização criminosa vendem armas e munições de forma ilegal para criminosos faccionados e que acabam sendo utilizadas contra os próprios órgãos de segurança pública.
FONTE: g1 BA